No dia 13 de novembro de 2019, o Brasil amanhecia sob novas regras previdenciárias. A Emenda Constitucional nº 103 marcou uma das maiores transformações do sistema de proteção social brasileiro. Prometida como solução para equilibrar as contas públicas, a chamada “Nova Previdência” trouxe avanços pontuais em sustentabilidade, mas também impôs restrições que até hoje geram controvérsias e injustiças.
Entre os pontos positivos, destaca-se a manutenção da aposentadoria rural. A reforma não alterou os requisitos de idade nem o tempo mínimo de contribuição: 60 anos para homens, 55 para mulheres e 15 anos de atividade rural comprovada. Essa preservação reconhece a realidade dura do campo, onde o trabalho é mais penoso e o acesso ao emprego formal é escasso. Também foi mantida, de forma acertada, a aposentadoria da pessoa com deficiência, prevista na Lei Complementar 142/2013, garantindo diferenciação conforme o grau de deficiência e proteção a quem enfrenta barreiras no mercado de trabalho. Esses pontos demonstram que, mesmo restritiva, a reforma teve sensibilidade social ao preservar direitos de grupos vulneráveis.
Mas nem tudo resistiu ao discurso da contenção de gastos. A pensão por morte teve o cálculo alterado e ficou menos vantajosa: o dependente recebe 50% do valor da aposentadoria, mais 10% por dependente até o limite de 100%. Assim, uma viúva sem filhos pode receber apenas 60% do benefício — perda que reduz a renda de milhares de famílias. Além disso, o benefício passou a sofrer redutores pela proporcionalidade e pela proibição de acumular integralmente com outro benefício. A aposentadoria por invalidez — agora “por incapacidade permanente” — também foi reduzida para 60% da média das contribuições, com acréscimo de 2% por ano que exceder 20 anos de contribuição. Quem sofre doença grave ou acidente pode receber pouco mais da metade do valor anterior. Esse tema é discutido no Supremo Tribunal Federal (Tema 1300) pela correção da injustiça.
Outro retrocesso foi o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Até 2019, bastava completar 30 anos (mulheres) ou 35 (homens) de contribuição para se aposentar, independentemente da idade. Agora, é exigida idade mínima de 62 e 65 anos, além de novas regras de transição. Milhões de trabalhadores viram o sonho da aposentadoria adiado. A aposentadoria especial, voltada a quem atua exposto a agentes nocivos, também passou a exigir idade mínima — grave retrocesso social.
É inegável que o sistema precisava de ajustes diante do envelhecimento populacional, mas o equilíbrio fiscal não pode ser alcançado à custa da dignidade. A Previdência é mais que um gasto: é um dos maiores programas de redistribuição de renda do país, sustentando pequenas economias e milhões de famílias. Embora a reforma tenha trazido maior previsibilidade financeira, impôs sacrifícios desproporcionais aos segurados mais frágeis. O debate sobre sustentabilidade deveria vir acompanhado do combate à inadimplência e à sonegação, e não apenas de cortes de direitos.
Seis anos depois, o balanço é claro: o sistema tornou-se mais rígido e tecnicamente equilibrado, porém menos humano e acessível. A manutenção da aposentadoria rural e da pessoa com deficiência são pontos de luz em meio ao endurecimento das regras. Já a perda da aposentadoria por tempo de contribuição, as novas fórmulas da pensão e da invalidez e o aumento das exigências tornaram a conquista da aposentadoria um caminho mais longo e desigual.
Col. João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário










